
marcada a frio, a ferro e a fogo
Por SextaSessão*
Tenho uma cicatriz de 17 centímetros para a qual eu olho diariamente. Umas vezes, faço cara feia (“e tu, aí, ainda não caiu fora?”); outras, ignoro (“não fale comigo, e eu não falo contigo”); não raramente, me humilho (“vai embora, vai. por favor, nossa relação terminou”). Mas, disciplinadinha que sou, sempre obedeço a orientação: usar remedinhos e esperar vencê-la pelo cansaço.
A cirurgia que a deixou foi em junho de 2008. Acho que era a quinta na mesma região. Talvez a sexta. Parei de contar na quarta, quando percebi que tudo o que teria era a melhora do problema, nunca a cura.
Pois assim foi. Optei por uma cirurgia mais invasiva. Houve a melhora – não a solução –, e ganhei 17 centímetros (não de circunferência, phophas, porque isso seria a móóórrrrte).
O médico que deu a segunda opinião ficou surpreso com o meu desapego. “Se tu não te incomoda, então deixa assim.” “Eu me incomodo, só não ligo mais.”
A cicatriz mudou nestes 11 meses. Ela se comportou bem na maioria da extensão, mas está feia em 4 centímetros, atacados com fúria pela minha cirurgiã.
Ela testa todos os recursos superficiais antes de considerar injetar corticóide ou em refazer a sutura (não quero). E dá-lhe pomadinha. E dá-lhe plaquinha de silicone. E dá-lhe amostras grátis de “produtos novos sem resultados comprovados” – e gosmentos.
Há uns meses, me atrevi a dizer que a cicatriz parece mutante, tem dias que está melhor, e outros, pior. “Parece que eu estou louca”. Ao que minha cirurgiã me tranqüilizou: “É bem assim.” A cicatriz melhora, piora, melhora, piora, melhora… as melhoras se tornam longas e freqüentes. A gente imagina que vai sumir de vez. Mas, em um dado momento, pára de mudar e não melhora mais. Daí, terei que aprender a conviver com ela.
Semana passada, conversava sobre outro assunto com um colega-terapeuta (jornalista, que faz pós em psicoterapia – sim, eu também acho isso estranho…):
Ele: e como está você hoje?
Eu: igual a ontem. triste
Ele: não é uma dor que some. mas muda
Ontem, Lizete ouviu uma queixa minha e sentenciou: “é como uma cicatriz”.
A cirurgiã, o jornalista-lacaniano e a terapeuta-cognitivo-comportamental sabem das coisas.
Agora, com licença, que vou lá passar uma pomadinha gosmenta sem resultados comprovados.
*SextaSessão melhora, piora, melhora, piora, melhora… e, durante o processo de cicatrização, ganhou um bom amigo, Fabrício, que “odeia blog de paixão” e não vai ler este post. Expõe seus “ais” aqui, nas sextas-feiras, e aplica medicação em seu blog, nos outros dias.
As cicatrizes do corpo seguem lá, todas, já não melhoram há anos. Não há o que fazer, paciência… Não sofro.
Aquelas outras estão em lugares escondidos, vão e vem. Com algumas faço até piada, nem acredito hoje. Mas elas – é brega e clichê, eu sei – mostram que vivemos…
A princípio superficial, é uma linda coluna. Mais uma lição de vida do EBDP.
Pra mostrar que vivemos existem as rugas… Mas já que é inevitável, prefiro as cicatrizes nos lugares escondidos.
cicatrizes são as medalhas dos sobreviventes …bjs
eis aí uma grande verdade
As minhas mais fortes estão sumindo. O que é bem interessante porque elas fazem parte de um passado que eu quase não me lembro mais de fazer parte. =)
Tu descobriste o melhor cicatrizante que existe… esquecer
🙂
SextaSessão muitíssimo legal este teu texto de hj!
também sou íntima das cicatrizes. o que fazer? [clichê e brega – by Rafa] saber que existem por alguma razão e aprender a conviver com elas.
bom findi phinos!
Obrigada, Alice.
É bom compartilhar os “ais” com quem sabe do que a gente está falando.
… durante leitura troquei a música aqui, pra combinar com os sentimentos do texto. adoro sentir vontade de mudar alguma coisa qdo to lendo suas estórias, é vivo, altera a respiraçao.
um bjo !
Espero que tenha sido Tom Waits. 🙂
All the world is green se quiser uma clima mais doce ou Everything Goes To Hell se preferir mais dark.
Cicatrizes, tatuagens, pensamentos e sonhos/pesadelos recorrentes… como voltam, feito bumerangues!
Tu anda tendo pesadelo comigo, que eu sei. Pára com isso…
adorei este pensamento que as cicatrizes não somem, apenas mudam… As piores cicatrizes são aquelas do coração, mesmo que não apareçam, você sempre sente aquela dor.
ótimo, phino e sábio post!
Beijos e boa sexta-feira…
p.s.: passei por um cirurgia que iria ficar com uma cicatriz enorme no rosto, mas graças a minha mãe – e o cirurgião plástico dela – não tenho nenhuma marca.!
😉
Di, me apresenta esse cirurgião urgente!
A gente se acostuma, Vini, mas nem por isso gosta…
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Nada em favor de sua cicatriz, mas não fosse
por ela como é que leríamos uma crônica tão legal?
Sem querer parecer piegas, tudo na vida tem seu lado positivo. ;o)
Eu tenho uma cicatriz q eu ganhei depois de um acidente de carro que precisei fazer cirurgia (batemos de frente com um caminhão)…ela é bem na lateral da coxa…deve ter uns 30cm…é fininha
mas ja fazem dois meses que eu adquiri ela e me incomoda mtooo….eu que sempre usei shortinhos..sainhas e roupas curtas agora estou com vergonha do meu corpo.
é dificil pq eu deveria agradecer a Deus por não ter acontecido nada de grave nem comigo nem com os meus amigos…o carro deu perca total…mas eu fico incomodada..chateada…eu não queria passar por isso…e ao invés de agradecer a Deus pela vida renovada que ele me deu…eu reclamo..choro…axo que é o fim da linha pra mim.
estou passando as chamadas pomadinhas milagrosas tbm…até que estou vendo resultados…mas ta sendo dificil…
a inconstancia é oq me mata…um dia bem…no outro querendo se jogar da ponte mais próxima…exatamente como vc descreveu acima…
foi bom ler que existem pessoas como eu…muita gente fala q frescura…que o importante é o interior…e eu até acredito nisso..mas que conviver com essa linha na minha perna ta sendo uma situação dificil…ahh isso ta…
mas sei que daqui a uns 6 anos eu nem vou me lembrar mais dela…
tempo…tempo…tempo…tempo….(como canta a abertura da novela)