Minha última frase antes de morrer

Último suspiro de Monet foi pelas flores

Último suspiro de Monet foi pelas flores

Por SextaSessão*

Li uma vez que a última coisa que Monet disse antes de morrer foi “flores”. Talvez seja daquelas lembranças inventadas. Ou tenha sido outro impressionista, Degás, Renoir ou Manet. Também posso ter confundido com o Kane de Orson Welles, e seu rosebud.

Memórias, ao menos as minhas, são lembranças relidas, filtradas e interpretadas, que se acomodam conforme me convêm. Atribuí flores a Monet. E dispenso correção se eu estiver errada.

Monet entrou na minha vida tarde. Lembro de Renoir e Degas da coleção sobre artistas que o pai ganhava de um laboratório de remédios. O primeiro vinha com um pôster do Almoço dos Remadores, que gostávamos pela semelhança da figura barbuda da esquerda com o pai.

O barbudo da esquerda é a cara do pai. Meu pai

O barbudo da esquerda é a cara do pai. Meu pai

O segundo tinha o Ensaio de Ballet no Palco, que a mãe emoldurou e botou no quarto das meninas como inspiração. Minha irmã e eu dançávamos em uma escola que grafava e pronunciava ballet assim mesmo, no francês. A imagem nos inquietava por conta da orelha aparentemente deformada da menina sentada no centro da cena.

É uma orelha, é uma boquinha ou é uma ilusão de ótica?

É uma orelha, é uma boquinha ou é uma ilusão de ótica?

Monet virou o “meu” impressionista bem depois, quando li sua última frase. Sou do tipo que só vai a teatro sob ameaça, assiste a um show a cada cinco anos e compra um CD por semestre, mas chora em museu (baixinho, porque sou phina). Mais que artes plásticas, amo as palavras, a linguagem, o uso exato e preciso como expressão.

Dito por um Monet moribundo, “flores” é a prova inequívoca de uma vida de amor violento, incansável e obsessivo pela arte, sua própria arte. Idoso, viúvo e com catarata (mas não mais pobre, incompreendido e ridicularizado como antes), ele morreu pensando nas ninféias de seu jardim. Morreu desejando um instante a mais para pintar.

Na escala evolutiva da humanidade, ele estava lá no topo. Do degrau que ocupo, nem tento imaginar o que significa ter uma existência como essa.

O máximo que imagino é o que eu diria se morresse em paz e com a quilometragem alta. Não seria o desejo de viver mais para trabalhar. Nem “flores”, “sol”, “lua”, “vento”, “luz” ou “mar”. Não diria “blog”, “formata o HD”, “destrói o pen drive”, “esse é o número da minha conta na Suíça”, “me enterre com a bandeira do Brasil” ou “cuida da minha coleção de Melissas”.

Definitivamente, não seria “Sara, quem ficou cuidando da lojinha?”. E, se alguém aparecesse com um padre, juro que diria “fora daqui”.

Talvez eu dissesse o nome de quem estivesse segurando a minha mão. Ou de alguém que deveria estar comigo, mas já tivesse partido. Não com esperança de um reencontro em outra vida, que não acredito, mas como a derradeira manifestação de um amor que só termina quando o último dos dois se vai.

Pensando bem, o que eu gostaria de dizer é “foi bom, mas agora tenho que ir”.

*SextaSessão preferia ter sido um gênio, como Borges e Monet, mas não está de todo descontente com seu degrau na escala evolutiva. Não teve coragem de desenhar ou fazer montagem de fotoxópi para este post. Risca aqui nas sextas e rabisca nos outros dias em seu blog.

10 Comentários

Arquivado em escrita phina, lição de vida, personalidade com PH, SextaSessão

10 Respostas para “Minha última frase antes de morrer

  1. Se eu pudesse escolher algo agora, depois de ler esse primor de li-te-ra-tu-ra, optaria por ser a pessoa que estará segurando a tua mão no momento derradeiro, já que sou um pouquinho mais novinho e as chances de tu ir antes que yo serem algo possível.

    Tu poderia dizer o nome de quem fosse, e juro que não ficaria nem um pouco chateado se tu nem soubesse que era eu ali, de tão caduquinha.

    Lindo, lindo, lindo!

  2. Ai, meu querido, que coisa linda….
    Vou dormir tão melhor depois de ter a promessa da tua mão junto à minha quando eu morrer.

    Mas não esquece que sou mulher, e mulheres, mesmo um pouquinho mais velhas, morrem depois.

  3. L´Andreis

    Que lindas palavras, Rafa.
    Lindo texto, Liana.

    Hoje o facebook disse que eu vou morrer em 2016.
    Preciso decidir logo as últimas palavras.

  4. L´Andreis

    Acabei de pensar e decidir que vai ser “Vai ficar tudo bem” . =)

  5. Não consigo pensar em algo phino quando penso na minha morte. Tomara que seja um sinal de que ela está bem longe daqui!

  6. ana

    Que lindo, a moça de cafundó se puxou…
    Lá em cafundó, também existem flores e alguma cultura…vejam só!

  7. Di

    Lindo, lindo, lindo!

    Acho que uma frase que eu diria nessa hora, seria: “tudo valeu a pena”… e hoje, como sempre, valeu muito a pena passar nesse blog phiníssimo!

    Bom final de semana!

  8. vivi

    sexta sessão é uma pessoa que se preocupa com frases finais, anota aí. certa feita escreveu no seu blog sobre como seria o email derradeiro quando saísse da firma.

    bem menos poético, por certo.

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